quinta-feira, 17 de abril de 2008

DANIEL FILHO, o nosso eterno Rubinho de Vale Tudo, fala da TV de hoje

Aos 70 anos, Daniel Filho diz que não curte muito colher louros por suas vitórias na televisão, veículo em que trabalhou por quase 50 anos como diretor e ator. Há oito anos longe da TV, acha que falar de sucesso é coisa de quem vive de passado. Um pouco por saudade, um pouco para não ser esquecido e um pouco por vontade de incentivar a produção nacional, ele está à frente do novo “Mudando de conversa”, programa feito pela sua produtora, a Lereby, e exibido no Canal Brasil (aos sábados, às 20h). Nele, a cada episódio duas personalidades trocam idéias sobre assuntos variados.
Neste bate-papo, Daniel Filho botou abaixo a fama de temível. Falou das diferenças entre a TV de ontem e de hoje, de mágoas e da falta de investimento nos canais por assinatura. E confessou: o homem que dirigiu tramas antológicas, como “Dancin’ days” e “Pecado capital”, entre muitas outras, acha novela um produto muito chato.

O GLOBO: Como surgiu o “Mudando de conversa”?
DANIEL FILHO: Nas filmagens de “O primo Basílio”. Eu e a Glória (Pires) resolvemos fazer uma conversa entre duas pessoas que trabalham juntas há muito tempo. A gente gravaria e veria no que daria. No fim, achei que dava um programa. Essa foi a primeira parte. A segunda: achei que teria que fazer algo na TV fechada, depois de ficar numa geladeira na Globo (ele deixou de ser funcionário da emissora em 1991, mas continuou fazendo trabalhos para o canal).

Como assim?
DANIEL: Não queriam que eu trabalhasse. Produtos relativos a mim eram feitos sem meu nome. Por exemplo, edição de programas em DVD. Foram lançados vários dos quais eu fui o criador ou o diretor responsável: “Sai de baixo”, “Malu mulher”, “Mulher”, “Armação ilimitada”... Todos foram criados, idealizados e produzidos por mim. Fui omitido, era como se eu não existisse. Mas como na época eu já tinha fundado a Globofilmes, o cinema me manteve absolutamente vivo. Então, fiquei sem fazer TV. Mas já não me importava mais, já tinha feito muito. Então, pensei em canal fechado. Mas aí há uma dificuldade financeira grande. Os preços dos programas que eles podem pagar são baixíssimos. Resolvi investir neste projeto, fui oferecer aos canais da Globosat e o Canal Brasil quis o programa. Mas não tinha dinheiro, portanto preciso vender patrocínio. Por enquanto, estou perdendo dinheiro.

Seu nome virou uma grife. Daniel Filho vende?
DANIEL: Já disse o Henry Fonda que o importante não é o quão bom você é, e sim quanto tempo você dura. Acho que durei bastante. Se você se mantém em atividade por muito tempo, as pessoas dizem, mesmo que não gostem das coisas que você faz: “Mas que persistente! Como consegue se manter há 50 e poucos anos na mesma profissão?”

Mas não é só isso...
DANIEL: Sou um dos construtores da TV Globo que ficou nos nossos sonhos. Existe hoje uma nova TV, da qual estou afastado. É muito diferente.

A TV está melhor ou pior?
DANIEL: Não dá para comparar. É outro público, outra época. Não sei se dá para responder, porque daria uma resposta nostálgica, e não gosto disso. É como se você perguntasse se o cinema de hoje é melhor do que o de quando eu era garoto, ou se os carnavais eram melhores. Só posso dizer que, na minha época, não havia Aids. Lamento muito por vocês. Era muito melhor a bala sem o papelzinho.

O senhor vê televisão?
DANIEL: Pouco. Não tem algo que me chame a atenção. O que quero ver, vejo no online. Hoje há muita competição. Mas isso é um problema dos jovens, da turma que está com a TV agora, não meu.

Não sente saudade?
DANIEL: Não! A saudade que se tem é de uma coisa que não existe mais. Minha Copacabana e meu Rio não existem mais. As coisas das quais tenho saudade não existem mais. Acho que tem idade para tudo. Hoje há várias TVs. A competição com o mercado americano ficou muito direta nos canais fechados. Os estrangeiros têm como fazer programas com muito mais potência do que os canais brasileiros. Eu tenho o “Confissões de adolescente — Nova geração” pronto, mas um canal fechado brasileiro não tem como bancar, fica caro. Quanto o Canal Brasil tem para me dar pelo “Mudando de conversa”? Zero! Estou fazendo o programa por fazer. Vamos dizer que estou matando as saudades da TV. E vendo se as leis vão permitir que a gente possa competir com a força dos canais Sony, Warner e Fox. Tem gente que adora “Sex and the city”, “Desperate housewives”. Mas são programas que não têm nada a ver com a nossa realidade. Essa graça não é nossa. Aqui, estão tentando fazer seriados parecidos com os americanos. Isso não foi o que guiou minha cabeça quando eu fazia TV. Eu fazia coisas que se identificavam com o público brasileiro. O Brasil está competindo de forma desigual. O que temos na TV fechada brasileira? Programas de entrevistas ou pessoas recomendando alguma coisa, tipo “minha vida na ioga”. É o que dá para fazer com pouco dinheiro. Há um programa do João Daniel, “Mothern”, do GNT, que é bom. Sei que ele faz esse programa quase perdendo dinheiro. Pagar para fazer TV é o que eu estou fazendo. Estou pagando o máximo que posso perder.

Como lida com o sucesso?
DANIEL: Tive sorte, fator muito importante. E tem que trabalhar muito, estudar e saber o que está acontecendo. Tem o talento também, mas não adianta se não tiver faro. Sucesso é o passado, vivo do presente. Tudo ficou para trás. Vaidade não paga casa, o leite. Aplauso é maravilhoso, mas se eu não estivesse fazendo coisas já teria sido esquecido.

O senhor vê novela?
DANIEL: Não. Quando fazia novela, eu dizia: sou pago para fazer, não para ver. Acho uma coisa chata e repetitiva. Batalhei na minha época para que ela fosse mais curta. Novela com 180 capítulos era muito, no máximo deveria ter 120. Mas agora passaram a fazer minisséries de 40 capítulos. Isso não é minissérie, é quase uma mininovela.

O senhor tem uma aposta para o futuro, alguma grande estrela, a próxima Glória Pires?
DANIEL: Débora Falabella e Mariana Ximenes, por exemplo, que têm um brilho fantástico. E são sérias, dedicadas e profissionais. Não correm atrás do sucesso, mas da qualidade. Isso sem contar os óbvios Lázaro (Ramos) e Wagner (Moura), os dois baianos. Acho Rodrigo Santoro um ator brilhante também.

Entrevista de Simone Marinho, jornalista do jornal O Globo.

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