sábado, 11 de outubro de 2008

Amo Ezequiel Neves

EU FIZ TUDO, TOMEI TUDO E NÃO ME ARREPENDO DE NADA

Ezequiel Neves está com 73 anos e bem devagar para os padrões da locomotiva que tocava o terror no Baixo Leblon, ao lado do amigo Cazuza, nos anos 80. Acorda e dorme cedo e faz RPG, mas sua rotina de velhinho acaba por aí. Bem-humoradíssimo, Zeca Jagger ri sem parar, está com a cabeça tinindo e continua mordaz como sempre. Sua frase de boas-vindas foi: “Você vai conversar com uma pessoa que fez tudo, tomou tudo e não se arrepende de nada.” Saído da geração que mudou o mundo nos anos 60, ele faz parte de uma elite que continua revolucionando, e está inventando um jeito novo de amadurecer: “Hay que envejecer, pero sin perder la juventud jamás.”

Qual foi a primeira coisa que fez a sua cabeça?
Quando meu pai morreu, me arranjaram um emprego na biblioteca da Escola de Medicina da UFMG, onde eu tinha um tempo enorme para mim. Foi uma delícia. Li tudo do Joyce, um massacre, mas ele tem dois bons livros: “Retrato do artista quando jovem” e “Dublinenses”. “Ulisses” é chatíssimo. “Finnegans wake” dá vontade de vomitar! Li também Dorothy Parker, Emily Brontë — eu acho “O morro dos ventos uivantes” uma loucura! Que tratado sobre o ódio! Eu lia de dia e fazia teatro experimental de noite.

Como é que você foi fazer teatro?
A companhia de teatro Tônia-Celli-Autran esteve em Belo Horizonte, e me chamaram para fazer umas pontas. Naquela época, 1959, já tinha o teatro universitário, e resolvi entrar para ser ator. A minha turma era muito metida a besta. Sabe intelectual de 20 anos? A gente fazia teatro experimental. As peças do Samuel Beckett estreavam no off-Broadway e, na semana seguinte, a gente já tava fazendo em BH, esquecendo Sbat, direito autoral, esquecendo tudo! Até que um dia chegou de São Paulo a artista plástica Maria Bonomi. Ficamos amicíssimos e ela levou o meu grupo de teatro para uma temporada em São Paulo. A gente foi com “Sonho de uma noite de verão”. Eu vou te confessar: acho Shakespeare um pé no saco! Mas eu tinha um personagem muito bom, o Puck. A gente levou também uma peça excelente, chamada “Zoo story”, do Edward Albee. Quando voltei pra BH, Maria me telefonou dizendo: “Arranjei um papel pra você.” Era “A megera domada” e eu fiz o Biondelo. Depois entrei pro teatro do Sesi, onde a entrada era de graça, e virei um burocrata do teatro.

Como você começou a escrever sobre música?
Eu já escrevia em Belo Horizonte. Uns contos horrorosos! Quando estava em São Paulo, chegou uma turma de BH para fazer um jornal para “O Estado de S.Paulo”, chamado “Jornal da Tarde”, que era quase experimental, de tão chique! E me convidaram para escrever sobre jazz, porque eu gostava muito. Até hoje sou apaixonado por Miles Davis. Quando estou meio confuso, ponho uma coisa dele confusééérrima e me entendo. Mas era uma época em que o jazz não estava com nada, e o rock estava começando. Só que o rock não era muito aceito na época, porque era uma coisa menor, então eu começava a minha coluna assim: “Como dizia T.S. Elliot, os clássicos têm que ser reinterpretados com a vontade do futuro.” E todo mundo me achava muito intelectual.

Foi aí que começou a sua fase de sexo, drogas e rock’n’roll?
Em 1964 tive hepatite e fiquei com um trauma, achando que se bebesse eu ia morrer. Aí arranjaram um medalhão pra me examinar que disse: “Você não tem nada, isso é coisa de cabeça.” Aí eu pensei: “É de cabeça? Então vamos tirar isso da cabeça.” Saí da consulta e tomei três conhaques. Daí, nesse ano, surgiu a maconha, junto com o rock’n’roll. Era a fome com a vontade de comer. Depois freqüentei ácido em 1969. Mas era ácido de verdade, não o de agora, que é uma porcaria. Eu nunca fiz análise, bastaram três ácidos pra me fazer a cabeça: entendi vovó, vovô, papai, mamãe... Aí eu queimei muito fumo, tomei muito ácido, me mandei de São Paulo e vim pro Rio


Assim, sem mais nem menos?
O Luis Carlos Maciel ia ser editor da “Rolling Stone” e me convidou. Como o teatro estava chato em São Paulo, eu vim. Quando estou fazendo uma coisa burocraticamente, caio fora sem pensar em futuro. Eu não esquento a bacurinha, não programo, nunca reflexionei na minha vida, entende?

Como era trabalhar na “Rolling Stone” brasileira dos anos 70?
Era uma “Rolling Stone” pirata. Faliu no número zero. Mas nós ainda fizemos por um ano. A melhor coisa da revista era a coluna de cartas dos leitores. A primeira coisa que o (jornalista) Jamari França publicou numa revista ou jornal foi uma carta contra mim: “Ele é um merda, um babaca, não entende nada!” O Maciel me mostrou e eu disse: “Vamos publicar!” Tudo de farra. Nessa época o dinheiro encurtou, e eu traficava maconha. Pegava o dinheiro que ganhava das colunas que ainda escrevia para o “Jornal da Tarde”, comprava um quilo de fumo, vendia e transformava aquele salário mixuruca no dobro. Eu morava na Farme de Amoedo, num apartamentinho de porteiro, na maior felicidade! Era da praia pra redação da revista, todo dia.

Foi aí que você virou Zeca Jagger?
Um dia o Maciel virou pra mim, e me chamou: “Zeca Jagger!” Eu adorei! Aí ficou. Depois passei a assinar também como Zeca Zimmerman, em homenagem ao Bob Dylan.

Quem era Angela Dust?
Um heterônimo, como Zeca Jagger. Escrevi muito com esse nome. Na verdade, angel dust era uma droga fortíííssima, toda sintética, tão perniciosa que se Deus passar na sua frente, você dá uma palmadinha na bunda dele e pergunta: “Tá boa, nega?” E tão poderosa que o traficante te vendia numa semana e, quando você ia comprar de novo, tava saindo o enterro dele.


Como você virou produtor?
Em 1975 descobri um grupo paulista de rock’n’roll horrível, mas que eu achava ótimo: o Made in Brazil. Produzi dois discos deles. Aí o líder do grupo disse: “Você vai dirigir os nossos shows.” E eu respondi: “Vou dirigir nada, vou fazer é backing vocal!” E ia pro palco com muito glitter, cantava com o microfone desligado, dando muita pinta, Zeca Jagger total!

E como foi parar na Som Livre?
Em 1979, o Guto Graça Melo me chamou para trabalhar na equipe dele. Eu surtei um pouco no início, mas foi ótimo. De repente, eu ajudava na produção do disco de Elizeth Cardoso, produzi Cauby Peixoto, olha que maravilha!

A Som Livre era muito importante nessa época, não era?
Até 1971, coletânea não vendia nada. O João Araújo revolucionou. Numa época em que o Brasil estava numa crise financeira, todo mundo tinha que ter disco da Som Livre, porque aí tinha tudo. De repente ficou jeca você pôr um disco inteiro de um artista. Eu fiquei um ano e meio na Som Livre. Aí fechou o cast e eu caí fora. Não me incomodei porque escrevia tanto que dava pra viver. E eu vivo sozinho, nunca me casei, acabo ajudando as pessoas pra caralho, mas detesto que dependurem em mim.

Como começou a sua história com o Barão Vermelho?
Em 1982 a Som Livre me contratou de novo. E caiu na minha mão — caiu não, eu roubei do Leonardo Neto (hoje empresário de Marisa Monte e Adriana Calcanhotto) — a fita do Barão Vermelho. O Leo e o Nelsinho (Motta) iam fazer uma coletânea. Mas depois de ouvir a fita do Barão eu disse: “Isso é um disco inteiro. O grupo é ótimo, é diferente.” Eles tocavam rock de verdade. Era uma coisa muito violenta. E o texto do Cazuza, nunca ninguém tinha escrito daquela forma. Só que ele era filho do dono da empresa... A própria Rita Lee dizia: “O Ezequiel deu o golpe do baú, foi inventar que o filho do dono da empresa é cantor e compositor.” Mas eu tava fazendo escândalo porque adorava!

Quais são os seus orgulhos como produtor de discos?
O Barão.

Mas você tem Cássia Eller no currículo...
Tenho. Durante uns cinco meses me falaram: “Vai pintar uma cantora que você vai cair de quatro.” E eu realmente caí, tanto que disse: “Quero entrar nessa produção!” Também dei muita força para a Gang 90, que era ótima, mas era coisa de doido: Julio Barroso. Eu sempre gostei de gente auto-destrutiva.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ezequiel Neves é uma bicha velha que ainda usa a penteadeira da mãe dele.

Anônimo disse...

Essa matéria num é da Revista Globo?

Anônimo disse...

EZEQUIEL É UM CARA GENIAL ... VIVE O MELHOR DA VIDA ... "AFINAL ISSO É QUE IMPORTA... NÃO É ???"

Antonio C Ribeiro Jr. disse...

Esse foi o meu Pai do Rock, meu guru da crítica musical brasileira dos 70 via Jornal da Tarde, revista POP, Rock: A História e a Glória, Jornal de Música, Som Três...Hoje, 07 de julho de 2010 você está nos deixando.Tudo bem, você fez muito por nós e, não retribuimos à altura...somos imperfeitos, mesmo!Vá em paz e dê um grande abraço no Cazuza...Até, amigo!