Gilberto Braga fala sobre os 30 anos de 'Dancin'days' e os 20 anos de 'Vale tudo'
Publicada em 08/06/2008 - Jornal O Globo
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Em julho de 1978 entrava no ar "Dancin' days". O texto era de um certo Gilberto Braga, jovem autor que já fizera sucesso com folhetins das 18h, mas sonhava mais alto, e, com o respaldo de Janete Clair, teve sua sinopse aprovada para o horário nobre. Até hoje, quando se fala na influência das novelas sobre os costumes do país, o exemplo das meias de lurex está entre os primeiros a ser citado. Dez anos depois, em maio de 1988, o mesmo autor estreava a antológica "Vale tudo". Para comemorar o aniversário de 30 anos de "Dancin' days" e 20 de "Vale tudo", a Revista da TV convidou o próprio Gilberto para falar de suas lembranças. No a seguir um pouco da História da teledramaturgia, contada por um de seus nomes mais importantes:
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"Depois dos 'Casos especiais', estreei como autor de novelas em 'Corrida do ouro', de 1974, parceria com o Lauro César Muniz. No final, acho que ficou claro que eu tinha talento, mas ainda não havia motivo para me confiarem uma outra novela. Os tempos eram outros, não se trabalhava em equipe. Lauro só orientou o início e foi escrever a histórica 'Escalada'. Fui então encarregado, pelo Daniel Filho, de fazer uma adaptação de algum romance brasileiro do século 19, em 20 capítulos, para o horário das seis - um espaço ainda sem cara definida. Escolhi 'Helena', do Machado de Assis. Herval Rossano dirigiu, com grande empenho. O projeto deu tão certo que minha segunda novela das 18h, 'Senhora', baseada na obra de José de Alencar, já teve 60 capítulos. A terceira, 'Escrava Isaura', teve 100. Virei um escritor em quem podiam confiar.
Mas me incomodava muito o rótulo de 'adaptador'. Eu era freqüentemente apresentado como 'o melhor adaptador da Globo'. E queria ser chamado de 'autor'. Morria de inveja branca do Mário Prata, que tinha estourado com 'Estúpido cupido'. Queria que me encomendassem uma sinopse para as 19h. Mas meu orgulho me impedia de fazer a sugestão. Por isso, escolhi uma peça de teatro para o projeto seguinte das seis: 'Dona Xepa', do Pedro Bloch. A peça tem uma personagem fortíssima, mas não tem trama para mais do que três capítulos de novela. E eu poderia mostrar que sabia escrever diálogos na época atual. O plano deu tão certo que, com um mês de 'Dona Xepa' no ar, eu fui chamado não para a novela das sete, mas para a das oito. E fiz a sinopse de 'Dancin' days'.
Quem apostava em mim era Daniel Filho. Totalmente apoiado por Janete Clair e Dias Gomes. Mais tarde, eu soube que a insegurança da casa era tanta (e eles tinham toda razão!) que a novela só foi ao ar porque Janete, às escondidas, disse ao Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) que confiava tanto em mim que, caso eu fracassasse, ela continuaria a novela.
A sinopse não tinha um mínimo de originalidade. Um novelão à antiga, sobre duas irmãs disputando o amor de uma jovem, a partir do momento em que Júlia Matos (Sonia Braga) sai da prisão. Pra dar modernidade, Daniel sugeriu a discoteca, já que havia uma boate no primeiro tratamento da história. Eu detestava a maior parte das músicas do disco nacional. ('Outra vez' entrou mais tarde, não está no disco). Quando a novela terminou, e eu finalmente conheci o Guto Graça Melo (produtor musical), fui muito franco, perguntei por que o Guto tinha me arrumado uma trilha tão frágil. Ele foi tão franco quanto eu, e respondeu:
- Você leu a sua sinopse, Gilberto? Era horrível! Desculpa, mas quando eu li aquilo fiz o disco de qualquer maneira, certo de que iam tirar a novela do ar em dois meses.
Viramos grandes amigos, e na minha novela seguinte, 'Água viva', eu tive a chance de fazer a trilha nacional junto com o Guto. Acho, aliás, a melhor trilha nacional que já tivemos na emissora.
Escrevi 'Dancin' days' na maior ingenuidade, pureza, inocência, já que não tinha a menor técnica. A meu ver, o sucesso se deve, principalmente, a dois fatores. Primeiro, Daniel dirigiu muito bem, escalou (quase que sozinho) com grande coragem, trouxe um grupo da pesada, Marília Carneiro nos figurinos (e ela inventou a meia que ficou na História), Mário Monteiro nos cenários (ele adorava aquele clima de casa do Alberico/Mário Lago)... Além disso, é inegável que um jovem de 33 anos, que mal conhecia televisão mas era cinéfilo, numa história com toques autobiográficos - especialmente em relação à crônica do bairro de Copacabana, com as viúvas da Miguel Lemos e outra série de coisas -, trouxe um sopro de novidade ao horário.
Outro dia, revi cenas e fiquei muito impressionado com a força do diálogo e da maior parte dos atores. Sonia Braga e Joana Fomm contracenando (vocês podem ver no You Tube) é de uma força arrebatadora. Tudo deu certo, a novela estourou.
Mas, a partir do capítulo 60, a meu ver, ficou fraquíssima. Por mais que a Janete e o Daniel tentassem me ajudar, eu não conseguia manter o nível inicial. Como sou muito crítico, foi um padecimento levar a história até o capítulo 179. Quem achar que eu estou sendo exagerado, veja um capítulo de 'Dancin' days' depois do 60. A história não anda, não acontece praticamente nada. A novela vive de momentos emocionantes - com cenas longuíssimas - basicamente uma por capítulo. Boas cenas, sem dúvida. Mas o resto era encheção de lingüiça. O público, pelo visto, gostou bem mais do que eu.
Quando terminou, eu tinha virado o que chamamos hoje de uma celebridade. Boni me perguntou o que eu gostaria de fazer em seguida. Respondi sem pestanejar: nunca mais escrever novela e ir para a equipe de redatores do 'Malu mulher'. E desfiei aquele rosário de queixas de novelista estressado, eu não tinha tido vida alguma por todo aquele tempo, não gostava do resultado e coisa e tal. Boni, muito hábil, deu-me toda a razão, mas disse que tinha um pedido pessoal. Que, antes de abandonar o gênero, eu escrevesse 'só mais umazinha'. E eu fiz 'Água viva' logo em seguida.
Apesar da auto-crítica, confesso que certas coisas me marcaram em 'Dancin' days'. Vou tentar destacar algumas, com o risco de ser injusto e esquecer pontos importantes:
1. Sonia Braga, presidiária ou mulher badalada na noite carioca, um abuso de sensualidade e emoção.
2. Joana Fomm, talvez pela primeira vez uma representante da elite brasileira na História da TV, sua Yolanda Pratini é sublime. Casada com um José Lewgoy iluminado, acho que a elite se viu retratada na telinha, com verdade, pela primeira vez.
3. As cenas de amor entre Sonia e Antônio Fagundes. Palmas especialmente para ele, o papel do Cacá era fraquíssimo, fez sucesso graças à genialidade dele, Fagundes.
4. O clima da casa de Alberico (Mário Lago), muito de verdade, enternecedor.
5. O trio de amor jovem de Glória Pires, Lídia Brondi e Lauro Corona. Ah! Que saudades do Laurinho!
6. As viúvas da Miguel Lemos - também muito verdadeiras - e viva Gracinda Freire!
7. Yara Amaral iluminada, estreando em televisão.
8. Milton Moraes, até hoje um de meus atores preferidos, saudades infindas.
9. Ary Fontoura apaixonado pela Sonia. O rompimento dos dois é uma de minhas cenas preferidas da novela.
10. Reginaldo Faria estreando em televisão, aquele gato charmosérrimo. Não foi à toa que o escolhi para protagonizar 'Água viva'.
11. Beatriz Segall, também estreando na Globo, mais uma representante da elite bem mais real do que aquelas a que o espectador estava acostumado, ainda mais casada com um dos maiores atores que já conhecemos, o Cláudio Correa e Castro.
Daí em diante, minha carreira foi uma tentativa de continuar numa profissão com a qual eu tinha problemas gravíssimos. Não conseguia escrever novela e levar uma vida de gente.
Tentei a parceria com o Manoel Carlos a partir do capítulo 60 de 'Água viva'. O companheirismo dele aliviou meu padecimento, mas eu continuava querendo fazer alguma outra coisa.
Em 1988, como Aguinaldo Silva tinha sido brilhante em 'Roque Santeiro' e não se entendeu bem com o Dias Gomes, tive permissão da casa para chamá-lo para uma parceria. Resolvemos dar crédito também à maravilhosa Leonor Bassères, que já vinha escrevendo comigo desde 81. E 'Vale tudo' foi uma novela que deu certo. Muito por causa do entrosamento entre nós três. Trabalho dividido, mais chance de acertar. Havia uma temática, que - sem falsa modéstia - marca época até hoje, continua atualíssima, quem dera não continuasse. Personagens inesquecíveis, muitos hão de concordar. Mais uma vez, direção impecável do Dennis Carvalho e atores excepcionais. Pouca barriga. Que eu me lembre, um mês sem ação, dava para não envergonhar.
Pouco a pouco, acho que venci minha luta. Simplesmente aceitando que é impossível escrever novela e levar uma vida de gente. Passei a ter férias mais longas. E equipes cada vez mais numerosas. E acho que tanto tempo depois consegui finalmente fazer minha primeira novela sem barriga alguma, que foi 'Paraíso tropical', com o Ricardo Linhares e os outros cinco bambas. Boa comemoração para os 30 anos de 'Dancin' days' e os vinte de 'Vale tudo'."
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