quarta-feira, 21 de maio de 2008

Para sair da superficialidade dos dias de hoje, um pouco de filosofia para vocês.

O cristianismo oferece justificação para uma existência miserável dos homens sobre a terra, destituída de honra e de utilidade. Vai buscar uma tal justificação à maravilha de um amor divino que, ao contrário do que erradamente pensavam os belos gregos, não criou o homem para uma existência terrena de alegria consciente, antes o teria colocado num catre repugnante, preparando-lhe assim para, depois da morte, um esplendor eterno de comodidade e inação como recompensa do desprezo por si próprio interiorizado nesta vida. (Richard Wagner, em A arte e a revolução, 1849).

Em carta ao amigo Franz Overbeck1, alguns dias após a morte do compositor de Parsifal, Nietzsche diz ter sido Wagner o homem mais completo que ele conheceu. Acrescenta ainda que havia, entre os dois, uma espécie de "ofensa mortal" (Tödliche Beleidigung) e que teria sido terrível se Wagner tivesse vivido mais. Em outra carta, datada na mesma época, remetida à amiga Malwida von Meysenbug, Nietzsche diz que a morte de Wagner o atingiu terrivelmente, mas esse acontecimento teria sido também um alívio, porque era muito difícil precisar ser adversário de alguém que ele tanto honrara e amara. Ele escreve: "Wagner me ofendeu de modo mortal. (....) Senti seu lento e insidioso retrocesso ao cristianismo e à Igreja como um afronta pessoal."2

Entender a dimensão do abalo que Nietzsche sofreu exige também o entendimento do tipo de oposição que Wagner fez ao cristianismo, em determinado período de sua vida, para que uma possível conversão sua aos ideais cristãos tivesse ofendido o autor de O nascimento da tragédia de forma tão violenta. Wagner foi, no início de sua atividade artística e intelectual, adversário convicto do cristianismo, e é no contexto de sua oposição ao mundo cristão e ao mundo moderno que se encontra o ponto de partida de sua reflexão sobre os gregos e de seu vínculo com o pensamento de Nietzsche. O compositor começará a pensar sobre os gregos no sentido de um confronto com os valores cristãos que teriam dominado a civilização ocidental depois da decadência3 dos valores trágicos e também no sentido de um contraste entre o modo como a arte foi vivida na Grécia e o modo como vinha sendo vivida na modernidade.

A oposição entre cristianismo e Antigüidade é um dos mais importantes consensos teóricos entre Nietzsche e o pensamento de Wagner. Em suas reflexões de juventude, Nietzsche parecia unido a Wagner tanto em sua oposição ao cristianismo quanto em sua valorização dos gregos e na análise crítica da vida moderna. As idéias de Wagner sobre os gregos, publicadas fundamentalmente nos textos dos tempos de exílio, foram de grande influência sobre o jovem professor de filologia de Basiléia. Ao longo de seus escritos, desde O nascimento da tragédia até O caso Wagner, Nietzsche refere-se, velada ou explicitamente, às idéias wagnerianas apresentadas naqueles textos. Algumas das idéias mais mencionadas por Nietzsche são as que dizem respeito ao antagonismo entre a forma frívola e superficial como a ópera era praticada na Europa e a forma essencial e profunda como eles imaginavam dever ser o drama do futuro, inspirado na cultura grega. Pode-se reunir os aspectos de oposição ao cristianismo, crítica à modernidade, valorização da cultura grega e propostas de transformação da modernidade inspiradas em uma visão do mundo grego como os pontos centrais em que se teria fundamentado a cumplicidade teórica entre Wagner e o autor de O nascimento da tragédia.

Pensar na contradição entre Grécia e modernidade, entre os gregos e o cristianismo, foi para Nietzsche e Wagner um modo criativo, e até mesmo político, de lidar com a cultura. A decadência dos valores gregos é, para eles, a principal causa da superficialidade e da improdutividade da época moderna. No ensaio A arte e a revolução, Wagner refletiu sobre os fatores políticos internos associados à desintegração da tragédia grega e apontou de modo enfático para o conflito que se travou entre a era cristã e a cultura antiga. Esse conflito, sobre o qual Nietzsche diz ter guardado um silêncio hostil em O nascimento da tragédia, será abordado explicitamente pelo filósofo em seus escritos posteriores. Tanto para Nietzsche quanto para o Wagner dos tempos de exílio a superação da concepção cristã do mundo é absolutamente necessária ao processo de renascimento da tragédia.

Assim, para o jovem professor e para o artista no qual ele acredita, as esperanças retornavam. A cultura grega, como uma fênix renascida das cinzas, poderia novamente alçar seu vôo e celebrar a festa dionisíaca da existência. Nietzsche acredita que essa celebração será novamente possível através da música alemã em seu percurso de "Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner".4

Em O nascimento da tragédia, após a exposição da evolução da arte grega através das figuras de Apolo e Dioniso e depois da reflexão sobre o fim de uma concepção de mundo instaurada pela tragédia, Nietzsche dedica-se a construir a hipótese do renascimento do trágico na cultura alemã. Nesse tempo, o filósofo reúne Apolo e Dioniso, Schopenhauer e Wagner, gregos e alemães em uma mesma perspectiva e ilustra a concepção do renascimento da música trágica com a figura de um "Sócrates artista" (Künstlerischen Sokrates),5 cuja referência se encontra no diálogo Fédon, de Platão.

Nietzsche refletiu sobre aquilo em que consistia propriamente a florescência de Wagner na cultura, quais as forças, as possibilidades e as esperanças representadas pelo compositor. O acontecimento de Bayreuth exprimiu, para ele, um confronto com a modernidade. O ensaio Richard Wagner em Bayreuth é fundamentalmente uma crítica aos valores modernos, à decadência, à hipocrisia, à trivialidade da vida moderna e uma tentativa de demonstrar a possibilidade de regeneração por meio de uma arte nova, que trouxesse um novo sentido para o homem, como pensava ser a arte grega. Nietzsche julga ser a arte absolutamente necessária no contexto da decadência, porque somente através dela o homem poderia torna-se novamente desperto, novamente esclarecido sobre a realidade. Bayreuth seria a tentativa de reunir todos aqueles que estavam insatisfeitos com a cultura moderna, todos os que sentiam a atmosfera abafada e luxuriosa em que essa cultura estava instalada, seria a tentativa de regenerar a própria arte para que ela voltasse a ser o berço da cultura e não fosse apenas a expressão medíocre de um público culto, de amadores e críticos de arte, de espectadores passivos e supérfluos. Nietzsche escreve a propósito disso: "Pode-se dizer que, na economia física de nossos contemporâneos cultos, a arte é uma necessidade ora absolutamente mentirosa, ora infame e desonrosa, um nada ou um vício."6 E acrescenta: "Para liberar a arte, para restaurar sua saúde integral seria necessário triunfar interiormente sobre a alma moderna."7

Assim, a restauração da integridade artística está correlacionada à restauração da integridade da sociedade como um todo. Nietzsche apresenta, no item 7 do ensaio Richard Wagner em Bayreuth, uma releitura do mito da caverna de Platão. Para ele, é como se a sociedade moderna estivesse envolvida pelas sombras, pelos fantoches, pela hipocrisia e mentira dos homens aprisionados na caverna. O artista seria então um indivíduo superior que teria acesso à verdade, à luz, à realidade e voltaria amorosamente ao subterrâneo para tentar libertar seus companheiros.

O artista mais lúcido, mais esclarecido sobre a realidade da natureza seria, na visão de Nietzsche, o dramaturgo ditirâmbico, aquele que reúne em si as faculdades de ator, músico e poeta. Wagner era entendido como um autêntico dramaturgo ditirâmbico, cujo eu superior triunfou sobre o eu inferior e teria resistido às tentações, aos conflitos e às seduções do mundo moderno. Na seqüência dessas idéias, o filósofo menciona um contraste com o platonismo no que diz respeito à presença ou ao exílio do poeta na República. Se, para Platão, era conveniente exilar o poeta para que não ameaçasse o Estado, para Nietzsche, é justamente o contrário: é preciso manter o poeta no seio da comunidade para que ele possa ser a negação do Estado, para evitar que a mentira do Estado se torne a justificativa da vida, para que permaneça em vigília e vele pelo real sentido da existência. O poeta é necessário em defesa da própria realidade.

Essa perspectiva estava notadamente orientada pela metafísica de artista exposta em O nascimento da tragédia. Por meio da arte, o homem poderia conhecer a realidade, a arte era um olhar puro sobre as coisas, além das convenções, além dos princípios teóricos. Essa solidariedade entre arte e mundo real tornava o artista um ser encantado, iluminado, um gênio da natureza. Como se sabe, Nietzsche tinha em conta a filosofia de Schopenhauer, para quem os filósofos, os artistas e os santos eram os únicos homens capazes de se subtrair à cegueira das ilusões e alcançar o conhecimento do mundo verdadeiro.

Ainda de acordo com o pensamento de Schopenhauer, ele imagina que, dentre todas as artes, a fundamental é a música. O grande significado e papel da música na época moderna é, na visão nietzscheana, manter a possibilidade de acesso à realidade da natureza. A música seria a voz da natureza, a voz da realidade interior da vida. Fundar um Estado sobre a música é fundar um Estado sobre a própria realidade, como teriam feito os antigos helenos. A linguagem dos homens modernos está, segundo Nietzsche, pervertida. Eles se tornaram escravos dos homens, das convenções, dos artificialismos, do pensamento correto, das idéias claras e distintas. Com a música, dar-se-ia um retorno à natureza além de todos os limites e enquadramentos da linguagem. O papel de Wagner na filosofia nietzscheana chegou ao ponto que chegou porque Wagner era o poeta, o músico, o dramaturgo ditirâmbico que exprimia mais transparentemente, para Nietzsche, o ideal de artista schopenhauriano. Sem a filosofia de Schopenhauer, a presença de Wagner na obra de Nietzsche seria muito mais restrita. Tanto é que o rompimento de Nietzsche com Schopenhauer é simultâneo ao rompimento com Wagner, e o combate a Wagner será, a partir de então, estreitamente vinculado à crítica da metafísica.

O que permanece fundamental, e será mantido ao longo de toda a obra de Nietzsche, é a idéia de que a arte é o principal meio de combater a decadência, a principal arma contra o niilismo e o modo mais transparente de expressão da vida que, para o Nietzsche maduro, significa dizer: a arte é o modo mais transparente de vontade de potência, o princípio antiniilista por excelência, como entendeu Heidegger em seus estudos sobre Nietzsche. O ensaio Richard Wagner em Bayreuth mantém-se válido nessa questão fundamental. Independentemente do juízo que o filósofo fará sobre o compositor em uma fase posterior, a figura de Wagner, entendida estritamente como uma interpretação de Nietzsche, serve, naquela ocasião, para ilustrar um combate aos valores modernos e uma possibilidade de recriação de valores a partir da atividade artística.

Na visão nietzscheana, além de filósofo e artista, Wagner era um homem de ação, dotado de uma monumental vontade de realização. Era esse talento para a atividade que fazia com que se apoderasse da história de uma forma plástica, criativa e que o tornava também essencialmente motivado a atuar sobre a vida de seus contemporâneos. Apesar de estar voltado para o futuro, Wagner precisava realizar sua obra no presente, não podia, como filósofo, confiar na eficácia de suas idéias no futuro com base em documentos escritos, em textos. O compositor não dispensou o auxílio das idéias escritas mas, como artista, sua obra tinha que ser posta em prática e, por isso, precisava criar condições próprias ao florescimento de sua dramaturgia e de sua música. Se fosse exclusivamente filósofo, Wagner poderia ter-se acomodado, como artista, e particularmente como artista de teatro, ele precisava agir, necessitava da ação e do presente para poder continuar confiando no futuro.

O auge da atividade de Wagner foi celebrado, segundo Nietzsche, com a criação do teatro de Bayreuth. O filósofo reflete inicialmente sobre o acontecimento de Bayreuth como qualquer coisa imensamente significativa, como marco absoluto, divisor de águas na história da arte moderna. Esse era também o pensamento original de Wagner. Com Bayreuth, o compositor imaginava ter ressuscitado e recriado uma arte que não apenas seria vista e ouvida, mas, integralmente vivida pelos espectadores, seria a possibilidade de recriação do auditor-artista do teatro antigo. Bayreuth é, para Wagner e seus companheiros, uma revolução do lugar do espectador na obra de arte, representando uma transformação interior do público, uma nova perspectiva que não pode mais se confundir com a perspectiva superficial do amador e do crítico de arte, isto é, com a perspectiva do que Wagner chamou, assim como Nietzsche, o filisteu da cultura. O fenômeno de Bayreuth não pode, por isso, ser entendido de forma estritamente estética, sua repercussão seria de grande alcance social e político. No ensaio sobre Bayreuth, Nietzsche concede particular atenção ao espectador, à questão da dignidade daqueles para quem o teatro de Bayreuth foi criado. Tratava-se então de questionar o público e de saber se ele estava à altura daquele acontecimento.

No tempo em que escreveu as considerações extemporâneas, as esperanças de Nietzsche eram imensas, acreditou encontrar em Bayreuth um novo mundo. Ele escreve: "É o primeiro périplo em torno do mundo no domínio da arte. Parece que se descobriu não somente uma arte nova, mas a própria arte."8

Em 1876, as idéias publicadas por Nietzsche são de um vínculo muito forte com o projeto de Bayreuth. Ele acredita em uma correspondência histórica entre Kant e os eleatas, Schopenhauer e Empedócles, Wagner e Ésquilo. A cultura alemã operaria nesse momento uma revitalização da cultura grega associada a forças novas, aos produtos da ciência e da técnica modernas. Wagner é considerado, então, como um anti-Alexandre (Gegen-Alexander),9 uma força histórica capaz de reatar o nó górdio da Antigüidade, uma força de reintegração que liga solidamente o que foi esfacelado e perdido. Para a reconstrução da cultura, no sentido grego, seria necessária uma série de indivíduos como Wagner, uma série de anti-Alexandres, uma conjunção de personalidades transformadoras e atuantes.

A cumplicidade entre o artista e o filósofo foi, como se sabe, rompida de modo público em 1878, com a publicação de Humano, demasiado humano e com todo o novo direcionamento que Nietzsche dará a seu pensamento a partir de então, mudando decisivamente seu pensamento metafísico de juventude, inspirado em Schopenhauer e Wagner.

Em A gaia ciência, no aforismo 279, intitulado "Amizade Estelar" (Sternen- Freundschaft),o filósofo revela a profunda consideração que nutria pelo amigo e a consciência da separação inevitável que sofreram. Ele escreve:

Éramos amigos e tornamo-nos estranhos um ao outro. Mas isto é realmente desta forma e nós não desejamos nem nos calar, nem nos esconder, como se devêssemos ter vergonha. Nós somos dois navios e cada qual tem seu destino e rota traçados: podemos nos cruzar e celebrar uma festa conjunta como já o fizemos (...) Mas, então, a força poderosa de nossas tarefas os separou (...). Era preciso que nos tornássemos estranhos, eis a lei superior a nós e eis o motivo pelo qual devemos nos respeitar porque será santificado, ademais, o recordar de nossa amizade primitiva! Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma rota estelar, onde nossas vias e nossos diferentes destinos se encontram inscritos como pequenas etapas — elevemo-nos a este pensamento!10

É em nome desse pensamento, dessa possível rota estelar que une as vidas de Wagner e Nietzsche, que se pode investigar e discutir o vínculo profundo existente entre os dois. O fato de que Wagner tenha supostamente tomado um caminho diferente não invalida a festa e a comunhão que celebrara anteriormente com Nietzsche. E, apesar de todas as divergências, de todos os desvios e desencontros, Wagner e Nietzsche permanecem inteiramente ligados um ao outro. Wagner aparece na obra nietzscheana ora como precursor e companheiro, ora como adversário, mas em ambas as situações sua presença parece ser absolutamente decisiva e imprescindível.

Nos seus traços fundamentais, o livro O nascimento da tragédia está em ampla comunhão com Wagner tanto em seus equívocos quanto em seus possíveis acertos. O equívoco fundamental de O nascimento da tragédia é, para Nietzsche, além do vínculo com Wagner, o vínculo com a metafísica, particularmente com a metafísica de Schopenhauer. Em 1870, o ensaio de Wagner sobre Beethoven revelara a mesma tentativa de aplicação da metafísica da música de Schopenhauer.

Após o rompimento de Nietzsche com a metafísica, a partir de 1878, e precisamente após o prefácio autocrítico, acrescentado a O nascimento da tragédia em 1886, o texto do livro pode passar a ser lido de outra forma, por uma perspectiva mais crítica e seletiva em que são relegados os aspectos metafísicos e schopenhaurianos e priorizados os aspectos de interpretação dionisíaca da vida, de celebração exclusivamente sensível da existência. Essa segunda versão autocrítica de O nascimento da tragédia permanece, por sua vez, em relativa coerência com os textos de Wagner da época do exílio — A arte e a revolução (1849), Ópera e Drama (1851)e A obra de arte do futuro (1851) — , uma vez que esses textos são tidos como não metafísicos e inspirados numa concepção de vida no sentido grego, contrário ao cristianismo.

Ao se referir ao caminho que percorreram juntos, Nietzsche certamente tinha em conta essa coerência com o pensamento original de Wagner, o fato de serem ambos adversários e críticos do mundo cristão, do cientificismo e da modernidade como um todo. A indignação de Nietzsche diz respeito ao que ele entendeu como uma apostasia de Wagner: a questão de saber como é possível que alguém tenha investido tanto contra o cristianismo e a modernidade para depois cair em suas teias e ser novamente seduzido, novamente convidado a cear junto aos homens modernos e cristãos. Como ele revelou na carta à amiga Malwida, já citada no início do artigo, esse retorno de Wagner ao mundo cristão atingiu-lhe como uma agressão pessoal e mortal.

Nietzsche entendeu que Wagner não foi capaz de resistir aos vícios e às tentações da modernidade, não foi capaz de manter sua independência e, mais que isso, não teria sido capaz de vencer o pessimismo, o niilismo, a decadência dos tempos modernos. O que antes parecia ter sido um indício de cura, de regeneração, de recuperação da liberdade e da inocência, apresentou-se como o sintoma mais definitivo do fracasso, da perda e da ruína.

Ao reinterpretar a obra wagneriana sob essa ótica, o filósofo percebe, então, o sentido oculto dos dramas de Wagner e entende que são no fundo obras de renúncia, de desencanto. Por mais que Wagner tenha alimentado, na época do exílio, idéias de liberdade e celebração da alegria de viver, suas obras, desde O navio fantasma até Parsifal, estariam expostas, se aceitarmos a crítica de Nietzsche, a uma fatalidade que inviabiliza a realização dos ideais de força, beleza e liberdade defendidos pelo compositor em seu pensamento teórico. Pode-se afirmar que, na visão de Nietzsche, apenas se excetua a figura de Siegfried11 como o único personagem realmente forte, livre e belo de Wagner, as outras são figuras arruinadas, perdidas e consumidas pelo fracasso, pelo desespero. Ou seja, são, na visão de Nietzsche, figuras efetivamente schopenhaurianas, cansadas do mundo, cansadas da vida.

A oposição do autor de O nascimento da tragédia passou ao que Wagner veio a representar, ao desencanto e à covardia que julgava existir em uma concepção fracassada da vida inspirada no pensamento de Schopenhauer. Era uma oposição ao niilismo encarnado e exemplificado na pessoa e na obra de Wagner. O ardor dessa oposição só fazia sentido devido ao papel que Wagner exercia na cultura do século XIX. Ele era entendido por Nietzsche como uma força capaz de determinar e recriar valores, capaz de revigorar o cristianismo, de realimentar as concepções niilistas da vida. Não que Wagner fosse apenas um retrógrado defensor dos velhos ideais. Ele passou a ser, para Nietzsche, um renovador dos velhos ideais, e nisso consistia seu maior perigo, sua mais intensa nocividade.

A campanha de Nietzsche contra os valores cristãos e modernos tinha agora que se voltar contra Wagner. Entendido sob a perspectiva do niilismo, Wagner passa a ser o maior antagonista da possibilidade de criação de valores inspirados na vida grega.

Um comentário:

R disse...

CALMA. VOU LER DEVAGAR.