terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ainda há algum bom motivo para celebrar “Thriller”, de Michael Jackson? Pergunta Zeca Camargo. Leia abaixo o que ele acha:

Nada fácil responder isso… Mesmo que você não tivesse já passado da adolescência no início dos anos 80, quase todas as músicas desse álbum já tocaram tanto de lá para cá que elas fazem parte da sua história pessoal – ainda que à revelia. Admita: mesmo que você tivesse um chilique e trocasse de rádio aos primeiros acordes de “Beat it”, você estava, ainda assim, reagindo ao trabalho de Michael Jackson. E se você, por outro lado (como eu muitas vezes fiz), se levantava hipnoticamente a cada vez que ouvia as batidas iniciais de “Billy Jean”, sabe bem que… essa é a sua vida! Sobretudo, se você está lendo este post no Brasil, orgulhe-se: saiba que das 104 milhões de cópias vendidas até hoje de “Thriller”, dois milhões foram só no Brasil – ah, que nostalgia lembrar de um tempo em que as pessoas de fato pagavam para ter discos… Segundo a wikipedia, só os americanos, os ingleses, os franceses e os japoneses (nessa ordem) compraram mais que a gente!

Mas estou aqui me perdendo em números quando o que interessa mesmo é discutir se a música que vendeu tanto – e fez de “Thriller” o álbum mais bem-sucedido de todos os tempos – ainda é relevante, 25 anos depois (não 25 anos exatos, uma vez que o lançamento nos Estados Unidos foi em novembro de 1982; o fato de a data estar sendo celebrada agora só pode ser explicada se imaginarmos que a gravadora não conseguiu colocar de pé a edição especial de aniversário antes do último Natal). Vejamos…

Não é de hoje que o comentário de quem gosta de mostrar que entende de música é que “Off the wall”, o trabalho anterior a “Thriller”, é muito melhor que o próprio. Hummm… Vou desconsiderar esse tipo de esnobismo cultural – e espero sua compreensão. A faixa-título desse álbum, “Rock with you”, e “Don’t stop ’till you get enough” (o registro mais fiel do que era uma pista de dança no final dos anos 70) são, de fato, impecáveis. Mas você é capaz de citar outra faixa do disco de cabeça? Para um álbum ser um marco cultural, é preciso mais que três bons “singles”… É preciso um conjunto musical mais variado, mais poderoso, mais original e mais divertido. E isso, para Michael Jackson, só viria com “Thriller”.

Ouvindo novamente as faixas originais, eu tentava me lembrar do impacto que cada uma me causou na época. O videoclipe tinha acabado de sair da infância e entrava titubeante na adolescência (lembrando, foi só com Madonna que o formato entrou na “vida adulta”) – por isso, infelizmente, essas memórias misturavam inevitavelmente sons e imagens. Logo… as lembranças não são boas. Já reviu o clipe de “Billy Jean” recentemente? Então você sabe do que estou falando. A música – aquela batida discreta, o canto choramingas e vingativo ao mesmo tempo, o refrão que não tem cara de refrão, o final infinito – é muito, mas muito superior aos requebros de Jackson sobre um piso iluminado.

O vídeo de “This girl is mine” é ainda mais constrangedor: um história “fofa” onde Michael e Paul McCartney – que não são exatamente conhecidos pela capacidade de interpretação – disputam o amor de uma donzela, num cenário de “conquista do oeste americano”. “Human nature” é um inofensivo momento narcisista. Mas todos esses pecados menores ficam na sombra do exagero kitsch da própria faixa “Thriller”.

Sim, sim, sim. O vídeo que deu origem a inúmeras apresentações embaraçosas em shows de calouro da televisão, além de infestar aborrecidas apresentações colegiais de fim de ano e festas familiares, é uma grande bobagem. Mesmo descontando os excessos dos anos 80, os 14 minutos desse pequeno épico, revistos hoje, são insuportáveis. Ou melhor: já eram insuportáveis naquela época. A cafonice do visual de terror, associada à coreografia brega (na linha “defuntos com ginga”), ofuscava a música – já em si super-produzida.

Nem tudo, porém, está perdido. Esquecendo os vídeos, outras faixas merecem mesmo o título de clássicos – e, nessa audição “neutra” do álbum que fiz recentemente, é fácil concluir que elas merecem os elogios. “Human nature” reinventa a balada sensual – ironicamente falando, não de romance, mas de… comportamento. “The girl is mine” não é para mim, mas reconheço que é uma brincadeira charmosa de gêneros e uma solução elegantíssima para uma parceira com um ex-Beatle. “Wanna be startin’ somethin’” pega tudo de “Off the wall” e eleva a um patamar mais alto. Ainda tem o casamento perfeito de rock e soul de “Beat it” (essa sim, que lançada em qualquer ano, em qualquer década, iria fazer barulho). E a genialidade de “Billy Jean” – tão perfeita que é melhor deixá-la assim, sem mais adjetivos… você sabe o quanto ela é boa.

Esse, no entanto, não me parece ser o final da discussão. Talvez insegura de como o público pudesse reagir a um som possivelmente datado, a gravadora relançou “Thriller” numa edição especial onde artistas contemporâneos “revisitam” os grandes sucessos originais. O que Fergie teria a acrescentar a “Beat it”? E Kayne West a “Billy Jean”? Vamos deixar isso para quinta-feira, quando proponho que a gente discuta a arte do remix. Pode ser?

http://colunas.g1.com.br/zecacamargo/

Nenhum comentário: