Enquanto brilha na reprise de ‘Vale tudo’, o autor prepara para janeiro a estreia de ‘Insensato coração’, que marca a sua volta à classe média
As ondas batem de mansinho em frente ao apartamento de Gilberto Braga, no Arpoador. Com esse barulhinho, ele escreve “Insensato coração”, sua próxima novela em coautoria com Ricardo Linhares, que estreia dia 17 de janeiro na Globo. Porém, nem tudo até agora correu em velocidade de cruzeiro. Os dois protagonistas saíram com a produção em curso. De Ana Paula Arósio, ele fala secamente, mas para Fábio Assunção tem palavras doces. Agora que os problemas foram contornados e o céu parece de brigadeiro, Gilberto retomou o trabalho intenso e promete uma produção em que voltará a retratar a classe média, como fez em “Anos dourados” e “Anos rebeldes”. No ar também no canal Viva com “Vale tudo” (que escreveu com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères), um grande sucesso, ele afirma que pouco mudou em seu ofício desde 1988, quando criou a inesquecível Odete Roitman: “Como dizem meus amigos Titãs, o povo quer comida, diversão e arte.” Palavra de quem já está há anos reinando nessa praia.
Quais serão as principais marcas de Gilberto Braga em “Insensato coração”? Devemos esperar vilãs espetaculares, festas memoráveis, enfim, o que você citaria?
GILBERTO BRAGA: Acho que a marca preponderante de “Insensato coração” é a minha volta à classe média, uma vertente que começou em “Dancin’ days” com a casa de Alberico (Mário Lago) e que eu desenvolvi mais em minisséries — “Anos dourados”, com as fofocas da Tijuca nos anos 50, e “Anos rebeldes”, com a casa do Damasceno (Geraldo Del Rey), pai de Maria Lúcia (Malu Mader). Assim, na espinha dorsal, temos em Florianópolis uma família em que há uma grande inveja de um personagem (Gabriel Braga Nunes) pelo irmão bem-sucedido (Eriberto Leão), num momento em que o casamento dos pais (Antônio Fagundes e Natália do Vale), juntos já há 35 anos, está em forte crise. O primeiro capítulo mostra uma comemoração desse aniversário de casamento que acaba virando uma grande lavação de roupa suja em família. No Rio, via Lázaro Ramos e Camila Pitanga, começa a parte glamourosa e com bastante comédia romântica. Deborah Secco defende a comédia, misturada a crítica social, com o personagem do Herson Capri, o banqueiro corrupto, que vai nos levar a falar de impunidade. Enfim, acho que a minha marca está lá, sim. E isso é curioso, porque eu nunca tive tantos coautores quanto nesta novela, sem contar com o parceiro maior, Ricardo Linhares. E o Dennis (Carvalho), depois de ler seis capítulos, disse que é “Gilberto Braga na veia”. Costumo opor em minhas novelas duas mulheres. Desta vez, pra variar, opus dois homens. O grande vilão é o personagem do Gabriel. A Glória Pires é uma vilã diferente, porque começa como boa moça, mas leva uma rasteira fortíssima e vai se vingar. Acredito que ela seja uma personagem muito forte.
Você estará no ar com duas novelas simultaneamente, “Insensato coração” e “Vale tudo”. Isso te faz pensar nas mudanças no panorama da audiência da televisão de lá para cá? Na época de “Paraíso tropical” você declarou que tinha uma expectativa em relação a números e ela se frustrou. Agora, está provado que isso não tinha nada a ver com a sua novela, era um patamar novo que tinha se estabelecido. O que você espera desta vez?
Minha cabeça é meio complicada. Acho que os números de “Paraíso” tinham razão de ser. O espectador não torcia pelo casal principal (Alessandra Negrini e Fábio Assunção). Espero que isso não se repita. Eriberto e Paola Oliveira estão formando um casal lindo, forte. Quanto às mudanças nos últimos 20 anos, acho que a televisão avançou, há mais concorrência, isso é ótimo para todos, especialmente para o espectador.
Voltando a “Vale tudo”, o Brasil mudou muito de lá para cá, mas o que mudou para quem escreve novela? O que é impossível hoje com o politicamente correto e com a classificação indicativa? O politicamente correto te freia ou você não está nem aí para isso?
Para quem escreve novela acho que não mudou nada. Como dizem meus amigos Titãs, o povo quer comida, diversão e arte. Quanto ao politicamente correto, tento não pensar muito nisso, pra não pirar.
Mas, falando em “Vale tudo”, a que atribui a grande força que a novela mostra ter até hoje?
Apesar de estar tecnicamente ultrapassada por causa de iluminação etc., a história e os personagens são muito fortes, eu próprio me surpreendi vendo alguns capítulos. Não lembrava que a novela fosse tão interessante.
Você já declarou que gosta de trabalhar com sua turma de atores. Como ela é? Você cria personagens pensando num determinado ator? E agora como está fazendo para se inspirar de novo para os postos que eram de Ana Paula Arósio e Fábio Assunção?
Continuo com minha turma, escrevo para eles. Os dois saíram, tento me adaptar a Paola e Gabriel Braga Nunes, que estão ótimos, e com certeza vão entrar pra minha turma pra sempre. Já estamos escrevendo os novos capítulos pensando neles.
De que maneira os acontecimentos envolvendo os dois atores impactaram na novela — objetivamente — e como você pessoalmente sente isso tudo? Fica magoado? Ou consegue ver com frieza profissional?
Não comento esse assunto. A (Ana Paula) Arósio para não ser descortês com ela. E o Fábio por motivos óbvios. É um grande amigo, é como um filho, não vou falar publicamente dessa relação. Inclusive porque acho a vida mais importante do que o trabalho.
Depois de ter enfrentado dificuldades com Fábio Assunção em “Paraíso tropical” e agora novamente, voltaria a trabalhar com ele?
Claro que sim, espero muito escrever pro Fábio o protagonista da minha próxima novela. Além de amigo, ele é um ator esplêndido.
Como foi a escalação de Gabriel Braga Nunes e Paola? O que vale mais para você: talento, star quality, versatilidade?
Talento e star quality, por isso as duas escolhas. Tenho confiança de que vá dar certo. Além de tudo, eles estão cercados de um elenco incrível, dirigido pelo Dennis.
A novela tem como título uma canção famosa, e todo o mundo sabe que você é ligado em música e decide muita coisa com o Mariozinho Rocha (diretor musical da Globo). O que esperar desta vez?
Pensei em “Insensato coração” olhando o rosto do meu querido Caymmi, no velório. Deu um clique na minha cabeça. Para quebrar o melodrama, a música é um samba, com a Maria Rita. Eu gosto de trabalhar em vários níveis.
Que atores e autores em atividade na TV você admira?
Fernanda Montenegro, Tony Ramos, o elenco de “Passione”. E o de “Ti-ti-ti”. Infelizmente, não tenho visto “Araguaia”, por falta de tempo. Os autores que mais admiro são o Sílvio (de Abreu), a Maria Adelaide (Amaral) e o Cassiano (Gabus Mendes), in memoriam.
Você teve grandes parceiros em novelas e agora faz uma dupla bem-sucedida com Ricardo Linhares, com quem escreveu “Paraíso tropical”. O que essa parceria te traz?
Acho que sem o Ricardo eu não escrevo mais nem carta. Ele é um parceiro admirável. Criativo, inteligentíssimo, sensível. Não é só a minha opinião, é a opinião de todos que trabalham com ele na novela, mais a direção da emissora.
A internet tem força crescente e é transformadora. O fato de “Vale tudo” ter trechos no YouTube ajuda ou atrapalha? O que você acha da ideia de que o público já não precisa sentar à frente da TV numa hora determinada para assistir?
Diante da internet me sinto um velhinho. Quero ver tudo no telão da TV. A do meu quarto tem 70 polegadas. Aceito que a internet exista mas não vou ver novela lá. Além do editor de texto, uso mensagens para me comunicar com amigos e sites de busca de informações. É uma questão de geração. Enfim, tô veínho, né?